terça-feira, 24 de março de 2015

Sobre a ânsia de se punir crianças



E assim como a fábula do eterno retorno, de tempos em tempos volta à tona a discussão acerca da redução da maioridade penal. Hoje mesmo (24.03.2015) a Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados está realizando uma audiência pública para discutir sobre o tema.

Crescemos com medo. Somos ensinados a temer. E à medida que esse pavor cresce, cresce com ele a sede por vingança. Por punição. Porque somente com a sensação de vingança é que conseguiremos dormir em paz. Será?

E nesta ânsia por punição não escapam nem as crianças e adolescentes. Embora sejam elas as maiores vítimas, inverte-se a lógica da opressão e eles passam a figurar como nossos algozes. Em 2012, 11 mil crianças e adolescentes foram assassinados! Neste mesmo ano, 2,9 mil crimes foram cometidos por eles:
























A despeito de acreditar que a punição de adolescentes em nada ajudaria a confortar essa sensação de medo, devemos lembrar que a população carcerária brasileira é praticamente composta de negros e pobres. Admitir a redução da maioridade penal implicaria, portanto, em selecionar quais adolescentes que iríamos tirar do nosso convívio: o jovem negro e pobre. A nossa punição é, com certeza, bastante seletiva.

A violência contra a criança é silenciosa não só pela dificuldade prática da denúncia mas por conta da dependência emocional que envolve a vítima perante seu agressor. Isso sem falar na violência psicológica que a grande maioria das crianças é submetida. Violência silenciosa que, por muitas vezes, nem mesmo a vítima se dá conta da intensidade do trauma vivido.

No Brasil, apenas no ano passado foi sancionada lei que proíbe que os pais batam em seus filhos. Esta lei gerou grande revolta pois muitos pais reivindicavam seu "direito" de violentar os filhos. Como se o corpo deles os pertencesse. Como se a violência fizesse parte de uma suposta educação. Como se agredir ensinasse alguém a ser bom.

Na Alemanha, uma lei muito parecida vigora há mais de 15 anos. Ainda assim, naquele país, por semana morrem 3 crianças vítimas de violência doméstica. Vítimas das pessoas que deveriam as proteger. Assassinadas por aqueles a quem o Estado entregou sua tutela.

Como se não bastasse esse número sem fim que só comprova como a sociedade oprime e violenta um grupo que não tem como se defender, o discurso da severidade sempre está em pauta. Urge-se para que os pais sejam mais austeros. Invoca-se um tempo imaginário em que as crianças eram mais obedientes e, claro, fala-se da atual permissividade dos pais.

Esta semana me deparei com uma reportagem que é, no mínimo, desonesta. O jornalista traz números e afirma que em três anos ocorreram um total de 14.302 agressões de filhos contra progenitores. Claro que a causa dessa violência foi atribuída à permissividade dos pais, porque nunca se relaciona a violência contra criança com a violência por elas praticada quando da adolescência.

Fiquei intrigada com esse número de pouco menos de 15 mil casos de agressões de filhos contra pais em três anos, ou seja, cerca de 5 mil casos por ano. Em uma busca rápida, fui atrás do número inverso. Quantas crianças são agredidas por seus pais anualmente no Brasil? A resposta? 170 mil denúncias de agressões de pais contra filhos apenas em 2013! 360 crianças e adolescentes são violentadas por dia. 

Que tipo de permissividade é essa que autoriza tamanha violência contra alguém que não tem condições físicas tampouco psicológicas para se defender? Que tipo de dever de educar permite que a pessoa que mais deveria amar é aquela que mais violenta?

Através de muitas conversas com a Letícia Penteado, eu tomei conhecimento do que era adultismo. E ela sempre repete uma frase da Magda Gerber que me marcou demais: "Muitas coisas horríveis foram feitas em nome do amor, mas nada horrível pode ser feito em nome do respeito". 

E voltando ao tema inicial eu me pergunto, quando passaremos a respeitar a infância e pararemos de querer punir os adolescentes por repetirem a violência que praticamos contra eles? Quando elevaremos a criança a condição de indivíduo merecedor de respeito tal qual um adulto?

Editando para acrescentar o texto da Eliane Brum que vai de encontro ao que defendi aqui: "Quem está violando quem? Quem não está protegendo quem? Quem deve ser responsabilizado por não garantir o direito de viver à parte das crianças e dos adolescentes?"


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