sexta-feira, 20 de março de 2015

No princípio era a Maternidade



Ninguém sai ileso ao nascimento. Nenhuma mulher é a mesma após o nascimento de um filho. 

Ambas as afirmações podem parecer generalizantes e deterministas à primeira vista, eu mesma afirmaria isso se as lesse há dois anos. No entanto, hoje não consigo negar a sua veracidade.

É certo que algumas mulheres mudam mais que outras. Primeiro porque algumas mulheres podem ter uma experiência de vida pretérita que já lhes provocou uma mudança significativa. Às vezes devido à militância, ou ao encontro com a morte pela perda de alguém querido, ou mesmo por assumir uma orientação ou identidade sexual não convencional. Não importa o motivo. Há pessoas que já vivenciaram eventos que serviram como um chacoalhão que motivou a uma introspecção e trouxe uma nova visão de mundo e, portanto, a maternidade não chega a provocar mudanças tão significativas.

Já outras mulheres vestem as luvas de Elsa* e não se permitem sentir as mudanças. A sociedade cobra que as mães sejam dedicadas, abnegadas, amorosas, santas, em suma, cobra das mulheres um ideal de maternidade ao mesmo tempo que não permite que elas sejam mães. Explico. Mesmo após o nascimento, a mulher tem que continuar a cumprir a mesma carga horária de trabalho/estudo com a mesma eficiência anterior; continuar a encontrar os amigos com a mesma frequência e com o adendo de não restringir os assuntos à maternidade; continuar tendo o mesmo apetite sexual de antes; isso sem falar na corrida pela volta ao corpo pré-gravidez. Diante de tanta pressão para que a mãe não sinta os efeitos deste novo e grandioso acontecimento, vem também a negação para as mudanças íntimas que a maternidade traz.

Eu passei por esta fase de negação. De tentar voltar à vida de antes sem querer me dar conta que eu já não era a mesma. E nunca havia vivenciado nada que pudesse me trazer outro ponto de vista sobre quem eu sou, sobre a forma de me relacionar, sobre o olhar do outro, sobre me por no mundo.

Tenho várias ressalvas à obra da Laura Gutman, mas algo muito marcante que li em "Maternidade: um encontro com a própria sombra" foi algo como a maternidade ser uma oportunidade valiosa para o encontro com si mesmo. Uma chance de se enxergar com outros olhos, além de um grande exercício de alteridade.

E é daí que vem o nome do blog. O que para leigos é só maternidade, para mim representa um marco. Uma vivência capaz de transformar paradigmas e representar uma nova forma de pensar e me relacionar. É também uma alusão a um fantástico livro, em português traduzido para "No princípio era a Educação" de Alice Miller.                                                                                                                                                 

Já li que essa transformação pode também ser lida como um luto, uma preparação para uma vida nova. E gosto muito dessa visão. Arrisco fazer um paralelo com a metamorfose da borboleta, em que o puerpério se assemelha à fase do casulo, para preparar-se então para o nascimento da borboleta.

Outro texto que também gosto muito e aborda esse tema, embora não seja o foco principal, foi escrito pela minha xará, a Ligia do cientista que virou mãe:


Há mulheres que engravidam depois de muito planejar. Há mulheres que engravidam sem nenhum planejamento. Há mulheres que engravidam sem sequer terem pensado em ser mães um dia. Há mulheres que engravidam depois de muitos anos desejando um filho. Há mulheres que se tornam mães sem engravidar. Há mulheres que ainda estão esperando - a gravidez, o nascimento, a chegada. Todas essas mulheres, sem exceção, passarão ou já passaram por profundos momentos de mudança quando da chegada do filho. Radicais momentos de mudança. Uma mudança que atinge todos os domínios de nossas vidas. Emocional. De disponibilidade. Logística. Profissional. Para algumas, mudanças de valores. Para outras, de carreira. Para outras ainda, de olhar sobre a vida. Para tantas, todas essas mudanças juntas. No tempo de sono. Na divisão do tempo das tarefas diárias. De ressignificação de si mesma no mundo. De reformulação da rotina. Do círculo de amizades. De hábitos alimentares. E tantas outras... E, sim, tudo isso gera angústia.


Não seria pra menos. São nove meses de gestação, vendo o corpo mudar, sentindo os movimentos do feto, percebendo que nosso corpo está formando outro ser. E como se já não bastasse, há ainda toda a alteração hormonal. Já dizia Alice Ruiz, "depois que um corpo comporta outro corpo, nenhum coração suporta o pouco". E não excluo dessa fase as mães que optaram pela adoção, já que vejo muitas semelhanças entre o processo de adoção e a gestação, a chegada da criança e o parto.


E falando de parto (que ainda pretendo escrever mais sobre o assunto), é um processo que pode influir diretamente no processo de maternagem, seja ele um parto normal, humanizado, cesárea necessária ou eletiva. A forma como o nascimento ocorre e como ele é recebido pela mulher impacta diretamente no puerpério e no que irá se desenvolver a partir dali.


Depois, vem a amamentação e com ela, mais uma explosão de hormônios. São pelo menos seis meses que o bebê se mantém apenas com o corpo da mãe**. Aí aquele serzinho mole e sem reação começa a sorrir, sentar, andar, te chamar de mamãe. Poder acompanhar esse desenvolvimento inicial de uma forma tão próxima é um convite a pensar sobre nós mesmos, sobre empatia e acolhimento. E isso porque eu ainda nem cheguei na fase da adolescência!


Enfim, em se tratando de maternidade nada é regra. Cada pessoa vive essa experiência de acordo com sua bagagem de vida e com as escolhas que faz. Mas não é algo qualquer. É como uma porta que abre caminhos para novas descobertas. E, a despeito disso, não acredito que toda mulher deva ser mãe ou que estas mudanças somente podem ser percebidas pela maternidade. De forma alguma. Mas vejo a maternidade como um atalho para tanto. Se alguém consegue passar imune a ela, não se abalará com mais nada.

O blog tem a pretensão de ser um espaço para reflexão sobre todas estas questões que costumam vir de presente com a maternidade. Espero através dele ter contato com outras pessoas que se apaixonaram pelo exercício da maternagem, e aí amplio o convite não só às mães e pais, mas a todos que se interessem pelo tema. E assunto é o que não me falta. Não poderia também deixar de agradecer à Ludmila Franca, que mesmo tão longe, tem me sido de extrema importância nesta fase de mudança e que me encorajou a iniciar este novo projeto.




*Elsa não é nenhuma personagem da mitologia grega. E sim da Disney :-) É uma alusão às luvas usadas pela personagem do filme Frozen para que ela não sentisse o poder de congelamento. Gosto muito do filme e a forma como ele trabalha com metáforas. As luvas, para mim, representam as ferramentas que usamos para não nos deixar perceber os nossos verdadeiros sentimentos. "Don't let them in, don't let them see / Be the good girl you always had to be / Conceal, don't feel, don't let them know / Well now they know".



**Sei que esse tempo de amamentação seria o ideal. Infelizmente, no Brasil, a média de amamentação exclusiva é de míseros 54 dias. É aquela lógica da sociedade que empurra as mulheres para a maternidade mas não as permite que sejam mães.

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