segunda-feira, 4 de maio de 2015

Filho não é investimento


Imagem: http://www.webpronews.com/baby-robot-learns-its-first-words-2012-06
Quando surge a pergunta "ter ou não ter filhos" geralmente ela vem acompanhada do argumento: "eles farão companhia a você na sua velhice". Já na barriga, recomenda-se que o feto escute música clássica para ser mais inteligente. Então, aqueles pais que nunca escutaram música clássica na vida se tornam assíduos ouvintes de Mozart. Assim que nasce, aconselha-se que o bebê "aprenda a dormir" sozinho em seu quarto, sob pena de se tornar um verdadeiro tirano (escutei isso de uma pediatra quando meu filho tinha 2 fucking meses de vida!). Mas o terror acontece na idade escolar! Escolas bilíngues preparam as crianças para um futuro promissor! Não importa se os pais não falem outra língua que não a sua nativa.

Relações causa-efeito estão sempre permeando os livros de puericultura. Os conselhos sobre criação de filhos também são quase todos pautados nas consequências que um certo ato ou mesmo uma abstenção poderão causar no pequeno rebento. Não seria suficiente o argumento de tratar bem apenas por tratar bem? Por que é tão difícil escutar algo como: "respeite o seu filho porque todo ser humano é merecedor de respeito" ou "permita-se amá-lo sem limites porque amor só faz bem"?

E se engana quem pensa que o discurso baseado em prêmios futuros é difundido apenas nos meios convencionais. Até mesmo entre a dita maternagem ativa, em que os pais estão dispostos a refletir e se questionar sobre a criação dos filhos, textos relacionando a forma de maternar com os efeitos diretos gerados nas crianças são encontrados aos montes.

Não faz muito tempo circulou nas redes sociais uma pesquisa que relacionava amamentação prolongada com alto QI e renda acima da média. A despeito da questionável verdade científica implícita aí, acho muito curioso essa forma de incentivar a amamentação. Ora, não é muito difícil saber que o leite materno é o melhor alimento para o bebê, além disso, o ato de amamentar proporciona à criança um local de aconchego, carinho e proteção. Não seria isso motivo suficiente para ser adepto à amamentação prolongada? Quão válido é o argumento que promete inteligência e dinheiro para a vida adulta da criança?

Também fiquei muito intrigada ao ler um texto sobre a fase vivida por volta dos 2 anos (conhecida como terrible two) que falava da importância do uso da empatia com a criança que está vivendo esse momento. Estava achando tudo lindo, até que, novamente, vem o argumento causa-efeito: crianças que são compreendidas com 2 anos não se tornarão "monstrinhos" aos 4! E o termo usado foi exatamente esse: monstrinhos.

Meu filho, hoje, tem 2 anos. E essa é realmente uma fase difícil. Difícil porem lindíssima. É neste momento que estou me vendo lidando com um ser humano cheio de vontades, contradições e muito desejo de mostrar a todos essa autonomia. É difícil viver a divergência. É trabalhoso conciliar vontades diversas, inclusive porque ter uma vontade diversa é também uma das vontades dele nesse momento. Mas ao mesmo tempo é muito bonito perceber que aquele bebê que até então anuía ou mesmo se conformava fácil agora está se expressando e reivindicando seu lugar no mundo. Ter empatia com esse momento e respeitar essa fase é algo que me é caro não porque isso facilitará minha vida quando ele estiver com 4 anos, mas porque eu acredito que se deva respeitar os anseios de todas as pessoas, mesmos se esses anseios vierem de encontro com os meus. Respeitar não significa atender a todas as vontades, mas sim, levá-las aos menos em consideração. 

Há um certo tempo li outro texto de um pai que defendia a criação com apego. Ele afirmava que podia constatar que seu filho aos dois anos era uma criança muito autônoma porque havia sido tratada com muito respeito enquanto ainda era um bebê. Eu também acredito que crianças que sempre puderam confiar, se tornem mais confiantes. Que crianças que sempre foram respeitadas, aprendam a respeitar. Contudo, o que me incomoda é a forma determinista como isso costuma ser pregado. Como se essa atitude acarretasse em um resultado certo. O que falar, por exemplo, das crianças high need? Seriam elas mais carentes de atenção por conta de uma falha ocorrida no passado? Eu não acredito nisso. Respeitar as individualidades de cada um significa entender que cada ser humano é um universo em si mesmo. Que possuímos características distintas porque cada pessoa transforma a realidade exterior em uma vivência única. É natural, portanto, que alguém que viva cercado de violência reproduza violência. Ou alguém que viva cercado de amor, reproduza amor. Mas a vida é cheia de cores e um ato de carinho pode mudar a realidade de uma criança fadada a reproduzir ódio, como o contrário também pode acontecer.

Mas por que é tão difícil respeitar o outro sem esperar nada em troca? Sem esperar que aquilo reflita na forma como a pessoa vai construir sua personalidade? Sem esperar que nós sejamos futuramente, ainda que indiretamente, beneficiados por aquele ato? Será por isso que é tão comum encontrarmos pessoas que só tratam bem aqueles que podem, de certa forma, lhes beneficiar de alguma maneira?

Eu entendo que essa lógica do fazer hoje para ser recompensado no futuro é algo inerente do sistema capitalista. Como se tudo que nós fossemos e possuíssemos dependesse de algo que tenhamos feito no passado. Como se nosso "sucesso" dependesse apenas de nós ou de que nossos pais fizeram quando da nossa infância. E pensar a infância com essa lógica meritocrática é despejar em cima dos nossos filhos expectativas que visam cumprir o investimento dispendido!

Não raro me pego justificando certas atitudes com argumentos como esses, de que eu estaria fazendo aquilo para que no futuro meu filho agisse de determinada forma. Desconstruir esse tipo de raciocínio tem me sido uma das tarefas mais árduas desde que me tornei mãe. Abandonar essa forma de pensar pressupõe abandonar também qualquer manual ou cartilha para se criar filhos. Se cada individuo é único, não existe jeito certo e padrão de lidar com eles.

Não tenho dúvidas que princípios são aplicados de forma geral, no entanto, impor regras para amamentar, alimentar, desfraldar, alfabetizar, por exemplo, acabam passando por cima dessa individualidade e medem todas as crianças pela mesma régua. O meu lema, acima de qualquer coisa, é o respeito sempre. O respeito permite que mesmo falhando, eu possa me redimir. E me permite também escutar e avaliar o que o outro demanda de mim. Respeitar é primeiro se colocar no lugar do outro para então poder decidir qual atitude a tomar. É tirar o cuidador do foco da relação e centrá-lo na criança que demanda cuidados.

Ninguém é capaz de moldar uma pessoa. Estamos todos envoltos na chamada teoria do caos, em que um evento aleatório pode mudar a ordem das coisas. Acreditar que nossos atos trarão um resultado determinado aos nossos filhos é uma fórmula certeira para a frustração, tanto nossa como deles.

Por uma infância plena, livre de expectativas alheias, com voz e respeito ao que se é.


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