quarta-feira, 1 de abril de 2015

Frozen: encontrando pelo em ovo

Se você ainda não assistiu ao filme, não termine de ler. Mesmo se não tenha filhos e fique com vergonha de ver um filme infantil, não se reprima! Vale a pena, o filme é bom mesmo. 

Antes do meu filho nascer, eu nunca havia lido um livro duas vezes e não gostava nem um pouco de ver um filme mais de uma vez. Recordo-me de uma amiga que assistia quase todos os dias A viagem de Chihiro. E adorava. A sua filha era enlouquecida por este filme e fazia todo mundo rever e rever quase que em um looping eterno.

Então, em um belo dia resolvemos mostrar o filme Frozen ao meu filho e ele se apaixonou, assim como eu. Não é apenas porque o desenho é bonito, ou porque a trilha sonora é lindíssima, e sim porque a história é muito boa. E quem diria que logo eu, que apenas tinha repetido com prazer O clube da luta, agora estou aqui no looping eterno com o Frozen.

Ok, Frozen não é assim tão revolucionário. Continua com as mesmas princesas lindas, magras e loiras (ou ruivas). O filme chega a brincar com a aparência da personagem Anna quando ela aparece toda descabela e babando enquanto dorme. Mas mesmo assim, continuam sendo princesas dentro do padrão de beleza.

Outra questão bem problemática do filme é o tratamento dado à Elsa pelos pais após descobrirem a força do poder do congelamento que ela possui. Quando criança, Elsa se divertia com essa aptidão até que, por acidente, atinge sua irmã Anna enquanto brincavam. A partir deste fato, Elsa é mantida presa em seu quarto, ainda que por sua vontade, pois acreditava que se afastando e reprimindo seu poder, estaria protegendo todos a seu redor. Então, durante toda a sua infância e adolescência, deixa de manter contato com o mundo exterior, excluindo do seu convívio até mesmo sua irmã. Os pais acabam morrendo em um acidente e, ao completar 18 anos, é coroada a rainha de Arendelle.

Elsa sempre foi ensinada a reprimir seu poder e isto fica muito bem ilustrado quando ganha luvas de presente do pai - estas luvas conseguiriam inibir a força do congelamento. É uma metáfora muito clara de como precisamos usar artifícios para esconder quem realmente somos. 

Ao meu ver, o poder de congelamento de Elsa representa nossos sentimentos ruins ou mesmo alguma característica que possa chocar a sociedade. Desde pequenos somos ensinados a reprimir isso. Seja em um inocente "não foi nada" quando a criança chora ao cair, até em querer moldar deliberadamente a personalidade dos filhos. Há um livro* sensacional que trata justamente das consequências dessa repreensão dos sentimentos desde cedo, mas isso será assunto para outro post.

A música tema do filme, lerigoooo, lerigoooo, ilustra muito bem essa angústia em não se poder ser quem realmente é:

Don't let them in, don't let them see                                     Não os deixe entrar, não os deixe ver
Be the good girl you always have to be              Seja a boa menina que você sempre deve ser
Conceal, don't feel, don't let them know               Oculte, não sinta, não deixe que eles saibam
Well, now they know                                                                                       Bem, agora eles sabem

Let it go, let it go                                                                                             Deixa pra lá, deixa pra lá
Can't hold it back anymore                                                                         Não posso esconder mais
Let it go, let it go                                                                                             Deixa pra lá, deixa pra lá
Turn away and slam the door                                                                        Afaste-se e bata a porta
I don't care what they're going to say                                   Não me importa o que eles vão dizer
Let the storm rage on                                                                         Deixe a tempestade se alastrar
The cold never bothered me anyway                                    O frio nunca me incomodou mesmo

Elsa, então, mesmo se sentindo livre ao viver sozinha, percebe que ainda não está feliz. E é aí que entra a importância de sua irmã no filme.

Anna é a irmã mais nova. Após o acidente provocado por Elsa, que motivou o isolamento, Anna passa a viver sozinha. Pede insistentemente que sua irmã volte a brincar com ela e, por ser uma princesa, também deve ficar dentro de seu castelo, privada do convívio com outras crianças. (Não entendo muito bem o motivo disso, só sei que é assim).

Até que chega o grande dia da coroação e Anna fica em êxtase ao saber que irá participar de uma festa. Contudo, fica bem claro que seu grande desejo é encontrar o príncipe encantado. Não a recrimino. Afinal, passou a vida toda sozinha, falando com quadros, natural que quisesse uma companhia. E como por mágica do destino, encontra nessa festa o seu suposto grande amor. Ao contar a novidade para Elsa, é duramente recriminada. Ora, ninguém pode querer se casar com alguém que acabou de conhecer! E ploft, a Disney pisa em cima do mito do amor à primeira vista. Cheguei a emocionar. Depois, quando conhece Christopher, novamente reforça-se a ideia de que o amor é uma construção e não uma reação química provocada por feromônios. O nome disso é paixão, diria Rita Lee.

E é nesse momento que começa a ficar claro o cunho feminista do filme. Ele, inclusive, passa com louvor e estrelinhas no teste de Bechdel. É evidente que a Disney se aproveitou de uma onda pop que vem usando e abusando do feminismo. Claro que os fins são comerciais. Mas eu acho é bom. Se há um lugar que o feminismo ainda é raro e que se faz muito necessário, é na infância. Que se fale mais sobre amor entre mulheres, que se fale tanto sobre mulheres que elas sejam também representadas por personagens de diversas etnias, que sejam negras, que sejam gordas, que sejam também pobres! Porque exaltar mulheres brancas, lindas, magras e rycaaaaahs é bom, já que é preciso que a mulher seja mais representada, todavia precisamos que todas sejam representadas!

Carolina, obrigada! Sempre.

No entanto, é quando se desvenda o ato de amor verdadeiro que não resta mais dúvidas sobre a inserção de premissas feministas. Anna descobre que o amor verdadeiro é aquele que ela sente pela irmã, e assim salva a vida de ambas. Se bem que as duas passaram a infância inteira separadas e Anna acreditou sempre que esse afastamento era puro desprezo de sua irmã. Ou seja, elas não tiveram tanto tempo juntas para que esse amor se construísse... mas enfim, é um filme e certas incoerências a gente deixa passar.

O que não dá para deixar passar são várias mancadas da produção de dublagem. Se você ainda não viu a versão original, mesmo que seja legendada, corre o risco de ter perdido grandes sacadas. Além das músicas, que são muito bonitas na versão original, há alguns exemplos de comida de bola da dublagem. Um deles é quando Anna e Christopher encontram o castelo de gelo construído por Elsa. A construção é tão grandiosa e deslumbrante que Christopher se emociona e confessa que está com vontade de chorar. Na versão original, Anna responde algo como "Vá em frente, não te julgarei". Ao passo que na versão dublada a resposta é completamente contrária ao que o filme quis passar: "Pode chorar! Não conto para ninguém." Ou seja, quem produziu a dublagem não entendeu que a mensagem era justamente dizer que os homens também podem chorar sem julgamento, que não precisam reprimir seus sentimentos. Mas a dublagem apenas confirma que homens só podem chorar escondido e, se alguém os vir, será um segredo. Lamentável.

Mas a minha grande piração ainda está por vir. Se você achou que até agora eu estou procurando pelo em ovo, espere para ler minha teoria de mensagem subliminar.

Só quem tem mais de 30 irá se lembrar da polêmica mensagem subliminar do Rei Leão


Olaf é o nome do boneco de neve criado pelas irmãs quando elas ainda eram crianças. Ele ressurge na história quando Elsa o recria juntamente com o castelo. Olaf é até um nome comum nos países nórdicos, porém, em se tratando de roteiro de um filme com investimento tão expressivo, nada é por acaso.

OLAF é o espelho de FALO. Ou seja, quando se lê umas das palavras de trás para frente, tem-se a outra. Falo vem do grego phallós, que se originou do latim phallus. Ainda que a grafia não seja a mesma, a fonética é muito parecida.

O que eu achei curioso neste nome é que um filme que traz princípios feministas de forma tão evidente conte com um personagem que dentre tantos nomes foi se chamar falo ao contrário. Note-se que Olaf foi criado pela Elsa e ganhou sua grande cenoura das mãos de Anna. Ele é um personagem ingênuo (o grande sonho deste boneco de neve é viver no verão, como não amar?), chega até a ser bobo, que não tem grande importância no enredo da história, mas muito querido pelas duas protagonistas do filme.

A minha interpretação deste personagem é a de que ele é uma brincadeira com a teoria da inveja do falo, teoria a qual sugere que o desenvolvimento de gênero e sexual das mulheres é determinado pela percepção da ausência do pênis. Algo como um desejo por ter nascido homem.

Ora, o filme fala de duas mulheres órfãs, sendo que a uma delas incumbiu-se a tarefa de governar um reino, duas mulheres que se amam verdadeiramente. Entre elas, está o bobinho Olaf, com a missão de diverti-las. Não parece ser coincidência, não é?

O teste de Bechdel, que eu inclusive já citei aqui, compreende três regras: que o filme tenha pelo menos duas mulheres, que elas conversem entre si, e que essa conversa não seja sobre homens. É realmente muito difícil encontrar um filme que passe neste teste. E a grande maioria dos filmes da Disney, se não todos, traz as suas heroínas sempre com um grande objetivo: encontrar marido. E, de certa forma, ainda é assim que a sociedade vê as mulheres: bem sucedidas são aquelas que conseguiram se casar. Experimente passar dos trinta e continuar solteira. Pois é.

Sim, nós mulheres temos outras ambições que não a de se casar. Nós conversamos entre nós sobre diversos assuntos que não envolvam homens. Lidem com isso.


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EDITADO EM 24/12/2015:

Eu tenho uma amiga que escreve coisas lindas e que frequentemente me faz pensar sobre diversas questões. E ela escreveu sobre esse filme com a precisão e ternura que lhe é peculiar. E eu achei tão bonito que pedi permissão à Ludmila Franca para incluir sua visão sobre o Frozen aqui também:

"Duas mulheres que têm um brinquedo chamado Olaf (que, de trás pra frente, é Falo), cujo nariz de cenoura (super fálico) é dado pela sua dona. Duas mulheres sozinhas no mundo, entregues à própria sorte, uma delas absolutamente carente e canalizando sua carência como 90% das mulheres, sonhando com o amor de um homem para ser feliz. Porque sem homem a vida não tem sentido, assim nos dizem todo instante. A outra, em desequilíbrio de sua força, por... carência. Cada dia mais fria e acreditando piamente que merece a solidão no castelo que ela mesma construiu para se proteger do mundo. Um príncipe, que promete o mundo, como tantos homens... Uma mulher que acredita que só pode sair de casa se for para casar. Que só pode ser amada se for escolhida para esposa. E a outra, que impede e diz: não se casa com pessoas que mal conhecemos. O que você sabe sobre amor verdadeiro?
Um filme que dá uma reviravolta na cabeça da gente, formatada em torno da ideia de que tudo depende de achar um homem ou de morrer sozinha, sem amor. Um filme que fala que o amor verdadeiro pode ser o amor entre duas irmãs. O amor que salva. O amor que liberta Anna da carência e a coloca para atravessar sua classe social e namorar o proletário. O amor que dá a Elsa seu eixo e a permite realizar a potência de sua magia para ser uma soberana plena de si e generosa para seu povo. Uma irmã que deixa o cara no meio do caminho e vai salvar sua irmã, mesmo que isto custe sua própria vida. Uma outra irmã que descobre que é o amor, e não a solidão, o destino das mulheres poderosas, duas mulheres que brincam com um Olaf/Falo, bastando a si mesmas, se salvando, cuidando de si. Uma Anna que não desiste do amor de sua irmã jamais. Uma Elsa que não permite sua irmã cair na armadilha de casar com um príncipe e ser infeliz. Uma Anna que olha para além de sua classe e descobre a nobreza no proletário sem modos. Uma Elsa que aprende a cuidar e ser cuidada, que aprende que o amor da sua irmã é sua salvação. Uma Anna que aprende que o amor de que ela tanto precisa é da sua irmã e que ela não precisa de príncipe nenhum. Uma Elsa que se casa consigo mesma, mas descobre que a solidão nunca foi a resposta para que ela fosse a melhor versão de si mesma; que seu poder não é para gerar medo, mas sim alegria ("o medo é seu maior inimigo", diz o filme no início). Ah... Eu amo essas duas."





*Não julgue esse livro pelo título. A tradução foi muito infeliz. Não é sobre crianças super dotadas, tampouco culpabiliza os pais por traumas impingidos a seus filhos.

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