"Eu não quero
(outra) cesárea" é na verdade uma tese de doutorado que se transformou
em livro. E que livro! A autora Luciana Carvalho Fonseca é, além de linguista,
ativista pelo parto humanizado, uma combinação que resultou numa brilhante
pesquisa que destrincha discursos e as relações de poder permeada por
eles.
Este livro me fez repensar a importância da divulgação de relatos de parto e com ele me encorajei a escrever o meu, que está disponível aqui.
Este livro me fez repensar a importância da divulgação de relatos de parto e com ele me encorajei a escrever o meu, que está disponível aqui.
O título do livro já
adianta que seu conteúdo aborda basicamente casos de VBAC (Vaginal Birth After Cesarean ou Parto
Vaginal Depois de Cesárea.), no entanto, acredito que a leitura é muito
enriquecedora também para aquelas pessoas que buscam um parto respeitoso,
independente de haver gestação prévia ou da via de parto anterior. Isto porque
através da leitura é possível perceber o caminho necessário a se percorrer
entre um nascimento guiado por técnicas que priorizam a medicalização em
detrimento da mulher e do feto até chegar a conquista do nascimento que ocorre
respeitando tempo, escolhas e evidências. Ou seja, estando imersos em um
sistema obstétrico que se pauta na medição de tempo e dinheiro, conseguir parir
com dignidade é uma luta. E conhecer batalhas vividas por outras mulheres faz
com que nossa história possa seguir de maneira mais consciente e preparada.
Por se
tratar de uma tese de doutorado há capítulos muito técnicos no livro em que se
explica a metodologia da pesquisa e o programa utilizado para a Análise Crítica
do Discurso. No entanto, a linguagem é bem acessível, possibilitando até mesmo
para quem não é da área conseguir entender como se deu o processo de construção
deste trabalho.
Primeiramente,
o livro aborda o paradoxo entre ser mais benéfica, tanto para mãe quanto para o
bebê, a escolha pelo parto normal e o elevado número de cesareanas no Brasil e
nos Estados Unidos. Após, a autora analisa os discursos da mídia em relação ao
nascimento, seja em obras de ficção como nos noticiários e mesmo no relato de
parto de celebridades.
É curioso
constatar como muito da ideia do senso comum que temos sobre o nascimento
provém de como o parto é relatado em novelas e jornais. A crítica do livro é
aguçada e inteligente fazendo um convite para o leitor observar esse contexto
sob um prisma nunca antes considerado.
Além
disso, analisa-se o projeto Cegonha do governo federal que, apesar de parecer
uma cartilha que incentiva a adoção de práticas da humanização no SUS, usa a
imagem da cegonha que se contrapõe à ideia de que é a mulher protagonista do
parto e não de que o bebê seja trazido por algo “místico”, no caso a cegonha:
Por fim,
há uma análise detalhada de relatos de parto tanto de brasileiras como
americanas. A autora destacou as palavras mais usadas nestes textos como:
"eu" (consegui, renasci), "bebê", "marido",
"doula", "médico" e analisou com muita perspicácia como cada
palavra é usada, considerando o contexto específico.
Há de se
fazer um recorte de classe nestes relatos! Ao que parece, tratam-se de relatos
vindo de mulheres de classe média ou alta. E a autora não se esquece disso:
Fiquei
com muita vontade de ver um trabalho parecido mas que envolva pacientes do SUS,
de maneira a comprovar a sessão de tortura que milhares de mulheres são
submetidas diariamente sob o falacioso discurso de que os procedimentos obstétricos praticados são necessários (quando na
verdade são pura violência obstétrica),
de que de tão normalizados passaram a ser institucionalizados.
Para quem
se interessa pelo sistema obstétrico, pela forma de se nascer e por relações de
poder evidenciadas através do discurso (sim!!! tem Foucault!) é um prato cheio.
Recomendo e muito este livro que pode ser encontrado aqui.
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