segunda-feira, 6 de julho de 2015

Eu não quero (outra) cesárea - Resenha

"Eu não quero (outra) cesárea" é na verdade uma tese de doutorado que se transformou em livro. E que livro! A autora Luciana Carvalho Fonseca é, além de linguista, ativista pelo parto humanizado, uma combinação que resultou numa brilhante pesquisa que destrincha discursos e as relações de poder permeada por eles. 

Este livro me fez repensar a importância da divulgação de relatos de parto e com ele me encorajei a escrever o meu, que está disponível aqui.

O título do livro já adianta que seu conteúdo aborda basicamente casos de VBAC (Vaginal Birth After Cesarean ou Parto Vaginal Depois de Cesárea.), no entanto, acredito que a leitura é muito enriquecedora também para aquelas pessoas que buscam um parto respeitoso, independente de haver gestação prévia ou da via de parto anterior. Isto porque através da leitura é possível perceber o caminho necessário a se percorrer entre um nascimento guiado por técnicas que priorizam a medicalização em detrimento da mulher e do feto até chegar a conquista do nascimento que ocorre respeitando tempo, escolhas e evidências. Ou seja, estando imersos em um sistema obstétrico que se pauta na medição de tempo e dinheiro, conseguir parir com dignidade é uma luta. E conhecer batalhas vividas por outras mulheres faz com que nossa história possa seguir de maneira mais consciente e preparada.
  


Por se tratar de uma tese de doutorado há capítulos muito técnicos no livro em que se explica a metodologia da pesquisa e o programa utilizado para a Análise Crítica do Discurso. No entanto, a linguagem é bem acessível, possibilitando até mesmo para quem não é da área conseguir entender como se deu o processo de construção deste trabalho.

Primeiramente, o livro aborda o paradoxo entre ser mais benéfica, tanto para mãe quanto para o bebê, a escolha pelo parto normal e o elevado número de cesareanas no Brasil e nos Estados Unidos. Após, a autora analisa os discursos da mídia em relação ao nascimento, seja em obras de ficção como nos noticiários e mesmo no relato de parto de celebridades.
  


É curioso constatar como muito da ideia do senso comum que temos sobre o nascimento provém de como o parto é relatado em novelas e jornais. A crítica do livro é aguçada e inteligente fazendo um convite para o leitor observar esse contexto sob um prisma nunca antes considerado.



Além disso, analisa-se o projeto Cegonha do governo federal que, apesar de parecer uma cartilha que incentiva a adoção de práticas da humanização no SUS, usa a imagem da cegonha que se contrapõe à ideia de que é a mulher protagonista do parto e não de que o bebê seja trazido por algo “místico”, no caso a cegonha:
  


Por fim, há uma análise detalhada de relatos de parto tanto de brasileiras como americanas. A autora destacou as palavras mais usadas nestes textos como: "eu" (consegui, renasci), "bebê", "marido", "doula", "médico" e analisou com muita perspicácia como cada palavra é usada, considerando o contexto específico.

Há de se fazer um recorte de classe nestes relatos! Ao que parece, tratam-se de relatos vindo de mulheres de classe média ou alta. E a autora não se esquece disso:



Fiquei com muita vontade de ver um trabalho parecido mas que envolva pacientes do SUS, de maneira a comprovar a sessão de tortura que milhares de mulheres são submetidas diariamente sob o falacioso discurso de que os procedimentos obstétricos praticados são necessários (quando na verdade são pura violência obstétrica), de que de tão normalizados passaram a ser institucionalizados.


 Para quem se interessa pelo sistema obstétrico, pela forma de se nascer e por relações de poder evidenciadas através do discurso (sim!!! tem Foucault!) é um prato cheio. Recomendo e muito este livro que pode ser encontrado aqui.

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